segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Notas de Quintal nº1 - Natal depois da infância



Como primeira notação, mesmo depois de um ano e pouco escrevendo por aqui, resolvi pegar como pano de fundo meus natais.

É tão interessante se perceber como a forma que comemoramos o Natal vai se modificando ao longo do tempo. Quando muito criança eu aceitava toda aquela mítica de um velho gordo que andava em um trenó puxado por renas voadoras, entregando presentes pelo mundo. Se soubesse, na pouca idade, dos efeitos do LSD, já podia conectar uma coisa a outra, ou mesmo, com um pouquinho mais de pérspicácia, me perguntaria se todas as crianças das comunidades carentes eram sempre malvadas durante o ano. Meus pais tentaram, com desculpas esfarrapadas, sempre contornar essas idéias, num esforço vão de manter o espirito natalino e o yadda yadda do fim do ano. Aquilo era muito bonito nos especiais de natal, e eu sabia daquela enrolação toda. Eles gastaram seu dinheiro para me dar coisas que ficava sonhando, ou melhor, sendo lobotomizado pela TV, o ano todo por seu valor exorbitante. Não sabia dos impostos de fim de ano e dos materiáis escolares e da grana que se gasta quando se tem um filho em casa 24hrs por dia. Lembro-me de quer um Game Boy mais do que qualquer coisa o ano todo, e que tive prazer quase orgásmico quando comecei a jogar Pokemon naquele visirzinho de vidro temperado. Um ano e pouco depois, a preço de banana o troquei por um Playstation, que já declinava para o Playstation 2... E meu pai gastou uma grana ferrada naquele joguinho.
Eu já sabia que o garoto propaganda do senhor Rockfeller, vestido de vermelho, branco e preto, não tinha nada com aquilo tudo. Meus páis tentaram, inutilmente, me enganar com essa história até uns sete anos, quando as coisas apertaram e o papo de eu que pago isso e aquilo veio à tona. Poucos anos depois, quando as vacas emagreceram um pouco mais, descobri que era uma festa pagã anterior a Jesus Cristo, repaginada pela Igreja Católica e depois pelas grandes empresas, meio complexo, mas fazia mais sentido que toda essa idéia que desafia tempo e espaço e que é cheia de clssismos, também não aceitava o bandido-mirim da minha escola ter sempre os brinquedos mais caros, mesmo fazendo todas as filhadaputices possíveis. Mas se você estiver se perguntando, pra mim pouco importava, eu só queria ganhar meus brinquedos e, ocasionalmente, uns torcados. Era o que importava pra um garoto antes da adolescência.
Depois, na adolecência, o sentido se perdeu mais ainda. Tudo era tão confuso, o gosto pelo sexo oposto mexeu tanto com a minha cabeça, e as vacas emagreceram mais ainda. Passei todos com minha avó e meus tios, indo cedo pra cama ou vendo alguma besteira na internet. Quanto aos presentes, já não me importava com eles diretamente. Se precisava de um tenis, porque o que tinha estavadurado a uns meses, ganhava no natal. Se precisava de umas camisas, porque as minhas faziam gerações de sua velhice, ganhava três ou quatro e um ocasional livro de minha tia, que me deu uma das coisas mais legais da minha adolecência, uma camisa do Led Zeppelin. CDs do Aerosmith ou do Black Sabbath, que acabei ganhando em um aniversário ou outro, depois de encher muito o saco, ou mesmo cartas de Magic (sim, nerd desde muito cedo) eram supérfulas de mais, e os pegava emprestados por meses.
Não que meus pais não faziam esforços sabe, mas desde então temos um contrato de acordo comum em que se o dinheiro permitisse,  nós nos daríamos presentes, se não, paciência.
Nesse momento, estou na terceira fase, que é quando se começa a trabalhar e sentir o preço das coisas. Esse acordo entre mim e meus pais, principalmente minha mãe, faz todo o sentido. Ganhar camisas, ganhar meias, ganhar uma ceia, nunca fiquei tão agradecido com qualquer coisa que me dessem. Posso dizer que nesse ano, o porre e o pernil, além e um All Star, tipo de tenis do qual nunca irei me livrar até o fim dos tempos, foram tão inesperados e bem vindos, que nem um violão novo ou algum remanescente da edição nacional de Deuses Americanos seriam tão legais. Natal se tornou, no fim das contas, uma forma de comer e beber com quem se gosta, o sentido deveria ser só esse.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Lenga nº 2 - Aetherium



Dois antes do almoço, um antes do jantar, meio às seis e meia. Ou seis ao meio dia e meia?
Um antes das onze, para abrir o apetite, dois antes das onze para fechar o apetite.
Um para dormir, um para acordar, uma para sonhar, outro para continuar sonhando, que eu não sei se tomei dormindo ou acordado.

Cega o ego, vê de fora

mitul peşterii - myth of the cave



Há um dia de ver, exposto, expresso, extenso
O todo a machucar suas retinas, pois vil
    E viu, todo mal e moléstia

Agora cego, a querer redenção, não vil
          [mas vil
Pede inconsequente, pede consequente
        [afago desmerecido
Acreditando num motivo maior
Creditando algo que não existe
Numa explicação que não convence
A alguém que não quer ouvir

Se portanto o tanto visto fizer luz
para o panorama panorâmico
e mais de fora afora ver
Que desça e peça por favor
                                              bem baixinho
Pro ego teu não ouvir

Crônicas de Quintal nº 0.5 – Dor de cotovelo



Eu sei que uma sede lhe veio do nada, mas não deveria estar aqui, eu disse a todo mundo. Já que veio, senta logo e não comente os olhos marejados, são sem motivo algum. Talvez encham seu copo, já que está vazio e o garçom não vai fazer nada, eu tenho certeza.
Eu sei que todo mundo deveria estar aqui, foi uma perda complicada, já me diziam que ia acabar acontecendo isso, que no final nem tudo eram as flores do começo, muita gente me disse essa merda toda.
Sou cabeça dura, entenda isso, eu deveria pagar para ver não é mesmo? É melhor perder do que hesitar, não sou uma porcaria de um maricas!
Quanto ao torresmo, essa é a quinta porção. Quanto à cerveja, essa é a vigésima terceira. Quanto ao cigarro, esse é o terceiro maço. E não tente me impedir, não me traz aquilo de volta, é verdade, mas me deixa sentir tudo de uma vez pra acabar logo. E se quer mesmo escutar tudo, pergunte às outras pessoas, elas sabem de tudo, todos viram, todos comentam. Eu não posso lhe dizer que foi tudo de repente, que eu não esperava por nada.
Foi tão legal, lírico, lúdico. Eu saia do meu trabalho louco pra chegar em casa e... e... Eu já lhe disse para não comentar dos olhos marejados não foi? E nem da música sertaneja, eu não tive escolha, nós sabemos da braveza do Sêu Edson. Até ele, em respeito, não colocou Roberto Carlos. Ele sabe o quanto eu fiquei devastado depois do fim de tudo. Ele sabe o que é sentir como eu me sinto. Olha como ele acena de cabeça baixa. Isso sim é um amigo, Deus o abençoe.
Viu? Olha o meu estado. Você não é amigo coisa nenhuma, eu sou ateu cara, você percebe como essas coisas mexem comigo. É como se um pedaço de mim fosse arrancado e eu tivesse que preencher. E se fosse comida, toda a pele de porco já preencheu o que eu tenho e o que eu não tenho dentro de mim. O problema é que eu ainda não me desgarrei, é muito cedo, eu preciso me acostumar que acabou, que era bom de mais pra ser verdade. E você, no conforto dessa cadeira aí, se disser que eu ainda vou rir disso, vai sentir a gordura do porco na cabeça ouviu? Eu sei que não é legal da minha parte, mas essas frasezinhas que enchem dúzias de livros do Augusto Cury são pra ajudar gente que pensa pequeno, e poxa, como eles são felizes. Nesses trabalhinhos, nesses amorzinhos, nessa vidinha.  Sem conhecer o que eu conheci e senti na pele e vi e estive perto, não faz duas semanas, era meu, era meu...

Como assim você realmente só veio beber? Como assim você não sabe de nada, nem de quem eu estou falando? Eu achei que estivesse na cara, que todo mundo realmente falasse, eu não como direito, nem durmo direito faz duas semanas, é um ultraje alguém que quer ser meu amigo agir dessa forma! É claro que eu estou falando do meu trompete do Jazz Hero, autografado pelo John B. Davis, me custou quase o preço de um rim para comprar e três costelas quebradas por seguranças para pegar esse autógrafo.
Ele começou a acender umas luzes na sala, não sei por que, eram três da manhã e meu avô jogou pela janela do prédio.  Foi horrível, foi... o horror.... o horror!  Eu deveria... tudo bem, eu realmente vou precisar de seu lenço agora.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Lenga nº 1 - Carbono



Se a vida parasse um dia, pensei, seria melhor ter morrido bebendo litros e mais litros de whisky. Eram dois passos atrás e fui tomado por um empurrão, foram quatro passos antes deles e alguma coisa na sacada me incomodava, eram seis para frente e o gosto do asfalto era o de um cinzeiro, e ele não combinava com um bom scotch.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Las manchas en el cuello


O Desejo de um copo, cheio, imaturo
                                               reconfortante
A criar todos os feixes, inspiradores e enganadores
A criar versos embebidos, embriagados, emputecidos
                                        
        No Kaos, no Limbo

Matam assim, todos estes pudores.
Pois que então lhe conto de La Mancha:

A marchar
o errante,
cavaleiro
                                             exitante excitante exitante

Pensava ter pra si inteiro mundo fantástico
Ficou para sí só a metade
Horrível começo, fim excitante
                                         Herói bravo!
e dura fama de triste palhaço

Na insonia de seu mundo orféico
andando só em delirios, na epópeia
                              Clichê  ,  Conflitante
Anda em nosso mundo, da rua aa casa
                              Do luar aa mingua
Anuncios de cigarro, agiotagem, Cartomantes

E prevê doce fim, doce fim de seu mundo
                                        Dragões em seus distintivos, moinhos de milho em pó
                                        Não sangue anís, mas vermelho vivo.
                                        O beijar de máscaras sem haver carnaval algum


Março de 2009

Crônicas de Quintal nº0 - Chegando a lugar nenhum



Saí para anuviar, na chuva mesmo. Meu vizinho não parava de tocar João Rodrigo e Pirassununga. É preciso escrever, mas assim já é triste, tenho muito para contar e quintal nenhum pensar. Eu não tenho quintal na verdade, mas o título é bem correto e se nós formos à esquina de trás do prédio, comprar umas duas garrafas da cerveja mais barata, eu posso te contar algumas coisas.
Se não quiser beber, talvez você não entenda tudo...
Afinal, ouça, eu não acredito em obra aberta nem em universalidade da literatura, então as coisas acontecem assim: eu falo e você só me diz se entendeu. É uma questão de troca, talvez você se acostume na terceira prosa, talvez saia correndo agora, o fato é que com esse sertanejo romântico eu não fico mais. E eu tenho alguns reais e capas de chuva, não precisa pagar nem se preocupar em molhar.
Nesse bar eu sento, anuvio, esse bar é meu quintal. A turma sempre senta por aqui, minhas ex-namoradas sempre sentam naquela cadeira, e eu sempre sento nessa aqui. E o sertanejo romântico daqui é mais aceitável. Sêu Edson não aceita que tirem Cardoso e Cardinho, portanto é melhor que nós aceitemos. Aliás, como você pode perceber, ele costuma a colocar Roberto Carlos no talo quando vê que eu cheguei. É meu nome, talvez porque minha mãe gostava de pernas mecânicas, talvez porque ela achou que eu seria feliz com ele. A questão é que nos acostumamos com nossos nomes não é? Com tantos Maxwilsons, Charlesnauberes, Uóshitoms, prefiro continuar me chamando Roberto.
O mais legal é não ter apelidos, Beto, Betinho, Robinho, eles nunca pegaram, nem vão pegar. Essa minha cara fechada fica no meio dos apelidos, além desse meu jeito de não terminar o pensamento com clareza, como estou fazendo agora, não deixar ninguém se definir direito. Talvez meus amigos consigam, mas agora todo mundo está ocupado, longe, maquinais na vida até surgir sexta-feira. Só eu que vagabundeio, desempregado, de férias da faculdade, inquieto, e me sento aqui no meio da semana, bem nesse horário.
O barato daqui é olhar quem chega. Na minha idade é difícil alguém que preste atenção nos tiozinhos que falam de suas amantes, do quanto às coisas eram mais baratas na sua época, de como a política é assim ou assado. A maioria dos garotos tem senso, porque é muito chato mesmo. Falando em chato, vou acender um cigarro e você não vai se incomodar, certo? Espanta o cheiro do torresmo que deve estar fritando na cozinha pra aumentar o colesterol de algum desses camaradas de meia idade.
Eu tentei um emprego com esse da mesa da direita. Ele é editor do Correio Farinhapodrense, disse que eu era bom, mas que faltava experiência. Imagine? Experiência numa vaga de estagiário? Tomara que essa pele de porco entupa até a jugular dele. Só porque não faço a barba todo dia, não uso sapato nem camisa, não tenho QI... É provável que ele tenha razão afinal. Eu tomaria o lugar de muita gente lá dentro que escreve do mesmo jeito a uns dez mil anos.
A propósito, eu sempre quis fazer jornalismo, agora só queria escrever minhas besteiras, lecionar sobre literatura. Deve ser mais fácil dar aula, o curso deve ser bem mais fácil e a sala lotada de pessoas que gostam de ler e não ficam falando tão errado como lá na comunicação social. É um complexo que eu tenho com a minha turma. Parece que eles deveriam fazer outra coisa e que eu não deveria estar ali. Eu me sinto assim com a maioria da universidade. A divisão clara entre humanas e exatas é um porre. É triste ver engenheiros apontando o dedo e se vangloriando de ganhar o dobro do que o pessoal da história. O fato é que alguém sempre fica na melhor ou na pior e quem ganha dinheiro mesmo são os médicos, ou é isso o que parece.  No final das contas, nada vai parar as duplas sertanejas, o pagode e a arrogância dos professores na universidade.
Já que anuviamos, é melhor que eu comece a te contar sobre a turma. Como não sou um cara legal, não vai ser bem agora. Nesse momento, tenho muito a escrever, pouco a contar.

Keith o pirata, Mick o cavaleiro


Bob Dylan estava errado ao descrever  as pedras rolantes como seres completamente desconhecidos. Hoje em dia, do Laos ao quintal de sua casa em Pindamonhangaba, pelo menos seu tio renegado já ouviu uma música dos Rolling Stones, nem que seja a abusivamente repetida, falta de satisfação da geração de 1960.
A maior e a mais legendária banda de rock do mundo teve início quando Keith Richards e Mick Jagger, que era amigo de infância do então estudante da Sidcup Art College, se encontraram depois de muitos anos separados. Mick estava na faculdade de economia, os dois no auge de seus 17 anos, a efervescência adolescente precisando ser consumida, os ritmos estadunidenses consumindo a adolescência inglesa, a surgir uma invasão britânica em poucos meses, a música no meio do caminho.
O interesse mútuo por blues, principalmente Muddy Waters e Chuck Berry, foi o estopim para reunirem-se com seus conhecidos Brian Jones¹, Dick Taylor² e Tony Chapman³ em 1962 e formarem uma banda que, com o passar do tempo e de novos membros, foi se lapidando para o Rock'n'Roll mais visceral que já existiu. Um som enraizado nos ritmos negros do soul, R'n'B e blues, onde até hoje em dia todos convergem, juntamente com o rock, em cada uma de suas músicas.

Uma vez que foram devidamente apresentados, vamos à alma dessas pedras rolantes, The Glimmer Twins:

Sir Jagger, (sim, o título lhe foi dado em 2003), é filho de um professor, que seguiu a carreira de seu pai, e que viria a ser a de Mick, e de uma mãe cabeleireira. Assim como Keith, nasceu em uma família de classe média, em uma cidade de pequeno porte na terra da rainha. Seu desejo de cantar não era encorajado pelos pais, mas ele o atormentou desde muito jovem e, junto do futuro guitarrista dos Stones Brian Jones, fazia parte de um dos inúmeros grupos de R'n'B da Inglaterra feitos por estudantes. Seus pais eram do partido conservador inglês e esses ideais permearam a vida do futuro rockstar, que se tornaria um dos símbolos de transgressão cultural da década de 1960.
Keith, o pirata, é filho de pais socialistas. Estudou com Jagger na mesma escola primária e era vizinho de quarteirão, mas depois de se mudar para o outro canto da cidade de Kent, que ele descreveu como um pesadelo de concreto, eles se separaram e só foram se encontrar novamente em 1960. Quanto à sua família, seu pai foi ferido na invasão à Normandia em 1944 e manteve um emprego como operário. Sua avó materna era cantora de soul e influenciou diretamente os gostos do futuro mestre dos riffs e sua mãe frequentemente o encorajava com a carreira artística.
A química entre os dois trouxe à vida muitas das melhores músicas do rock de todos os tempos. Eles que tomaram a liderança da banda de Brian Jones, ainda no início da banda, que primava por versões conhecidas de blues e soul, ao escreverem e musicarem juntos as músicas Tell Me (You're Coming Back) e The Last Time em 1965. Foi o primeiro passo para a forja de petardos como Brown Sugar, Street Fighting Man e Sympaty for the Devil, alguns dos maiores clássicos de letra e ritmo do rock.
Falando na química, os dois têm uma relação de amor fraternal e ódio mortal desde o início da banda. Mick possui um temperamento conciliador e divertido, um quê de empresário, ou mesmo de alguém que faz parte da realeza. Hoje em dia é budista, medita diariamente e mantém uma vida regrada e tranquila, além de uma energia criativa e física interminável, já em seus 67 anos.
Keith, que conta com o mesmo número de abóboras colhidas, é direto em suas respostas, possuidor de uma inteligência rápida e bem fundamentada, é um leitor voraz e dono de uma biblioteca enorme. Costuma ser franco até as últimas consequências em suas entrevistas e em suas declarações, seja o assunto sua dependência química, que o rotulou dentro do mundo do rock, seja sobre sua família, que declara publicamente ser extremamente apegado.
Tendo personalidades tão diferentes, Mick e Keith já tiveram brigas que desenvolveram anos sem se falarem direito. Seja por música ou por vida pessoal, um sempre se preocupa com a atitude do outro em relação às coisas da vida e se cuidam como irmãos,  já que se conhecem a mais de 60 anos e, como diz sir Jagger, eles nunca poderão se divorciar. Algo que faz a alegria de todos os amantes do rock'n'roll.
Algumas declarações sobre a parceria: 

Mick está muito interessado em controlar as coisas e eu estou muito interessado em ser incontrolável (risos) ... (Mick e eu) estamos a lutar pelos Stones, do nosso próprio jeito. E é isso que no faz uma grande banda juntos. Você não faz isso facilmente... Mick é o meu maior companheiro, você sabe, e nós temos esse bebê chamado Rolling Stones. E podemos ter idéias diferentes em determinados momentos de como trazer o bebê, você sabe (risos), mas é um bebê muito foda.

Keith, 2010

Por alguma razão, Keith e eu escrevemos juntos. Talvez porque nós nos conhecemos há muito tempo e somos amigos. Eu não tinha experiência para fazer tanto com a composição. Brian era um músico muito melhor. Mas parecia muito natural que Keith e eu fossemos muito bons nisso. Brian era muito problemático e era óbvio que Keith e eu, depois de tentarmos algumas vezes,faríamos um bom trabalho ... Eu tinha um talento para escrever e Keith sempre teve muito talento para a melodia no começo. Tudo, incluindo os riffs, veio de Keith.    

Mick, 1979    


1- Deixou a banda logo antes de morrer em 1969 para ser substituído por Mick Taylor, que deixou a banda sem dar muitas explicações em 1974, sendo substituído pelo amigo de longa data de Keith, e icônico rockman, Ron Wood.
2- Sucedido por Bill Wyman, que deixou a banda por problemas com os direitos sobre as composições das músicas.
3- Substituído já em 1963 pelo divertido, porém arquetípico baterista caladão, Charlie Watts.
Nota:  O nome, Glimmer Twins veio de um casal que, vendo-os em um bar no Rio de Janeiro en 1968, os acharam com uma aparência familiar e pediram uma pista, (glimmer em inglês, que também quer dizer vislumbre), em relação a quem eram. O nome soou bom para os dois e eles começaram a utilizá-lo em suas composições, que nem sempre tem participação integral na letra ou no ritmo, ficando, geralmente, Mick com o primeiro e Keith com o segundo.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Sandman, Morpheus, Oneiro

"Eu ando pelas areias do sonho sob a pálida lua: através dos sonhos de países e cidades, sonhos passados de lugares há muito tempo perdidos e horas além da recordação."
Morpheus in Vidas breves
Morpheus
Há na formação dos sonhos todo um lago construído minuciosamente, para que flutuem as imagens que captamos sem perceber durante o dia. Durante o sono não estamos vulneráveis apenas fisicamente. Nossa consciência, cansada do ritmo maquinal do dia-a-dia¹, arruina toda a sutileza do mundo e, no sono, somos levados a perceber aquilo que nosso inconsciente produz para nos comunicar todas as fraturas dessa sutileza, as experiências e imagens e sentimentos que tivemos de real relevância, mas não conseguimos esfrutá-las com a intensidade correta.

Não seria mais interessante que alguém coordenasse toda essa bagunça no seu quintal?

Lendo Sandman, você diria que sim. Que toda essa confusão seria mais intensamente vivida. Visitaria o inferno, a cidade de prata dos anjos, muitas eras passadas na terra, além de se apaixonar perdidamente pela Morte. É sério!

Sonho e Morte dos Perpétuos
A obra de Neil Gaiman, iniciada em 1989 e finalizada em 1996, contando com 75 quadrinhos, é uma tentativa de revitalização em um dos personagens mais antigos da editora DC.  
O Sandman original era o justiceiro Wesley Dodds, que vestia uma máscara de gás como proteção de sua identidade e atacava os bandidos com uma arma que pulverizava sonífero, no agora longínquo final da década de 30.
O segundo homem a portar este nome foi Garrett Sanford, que com ajuda de dois pesadelos, Brute e Glob, defendia os sonhos das crianças do malvado Mago dos pesadelos. Nada como uma história "pueril", (de fato ela é muito bem elaborada na verdade), para o tormentoso fim da década de setenta. 
A proposta de revitalização do personagem foi dada a Gaiman com toda a liberdade criativa, devendo apenas inserir os antigos Sandmans na série. Ele teve o insight de criar todo um novo universo a partir de algumas idéias que vinham amadurecendo. Nota-se um universo obscuro em que o belo tem todos os tons possíveis, desde o brutal ao sublime, desde o macabro ao heróico. A construção dos personagens é muito bem feita, sendo que todos os secundários são dignos de atenção tão especial quanto o próprio senhor dos sonhos. Poderia citar Lúcifer, esse mesmo que você está pensando..., Fidlers Green, um sonho... err... um lugar, melhor dizendo, uma versão antropomórfica, (atentem-se a essa nomenclatura, pois é extremamente recorrente na série) de um quintal tranqüilo no reino dos sonhos e Rose Walker, que tem um papel importante durante toda a série, visitando e se relacionando, a todo o tempo, com o Sonhar.
  
Capa de Dave Mckean
A história da série tem como personagem principal o Sonho, a figuração humanizada, ou não, dos nossos sonhos. Ele possui seis irmãos, Destino, Delírio, Destruição, Morte, Desejo e Desespero, que juntos são os Perpétuos. Mais antigos que os deuses e independentes de seus caprichos, eles cuidam, respectivamente, de cada uma dessas idéias apresentadas pelos seus nomes. Cada um possui seu respectivo reino, excetuando a Morte, com seus moradores e aparência próprias e poderes relacionados à seus domínios.
Voltando à construção dos personagens, nota-se uma personalidade independente das idéias que eles representam. O Sonho é um homem branco, pálido e de cabelos desgrenhados. É depressivo e profundo de mais, taciturno e impulsivo. Em contraparte, a Morte é uma jovem sábia e meiga, que usa roupas góticas, mas está sempre de bom humor e vendo as coisas pelo lado positivo.

Sonho e Matthew por Tony Harris

O ponto mais alto da série é colocar conceitos, como o de deidade e o próprio maniqueísmo (o que é bom e o que é mal) em um questionamento mais alto, além de trabalhar com a realidade de forma adulta, sem perder a fantasia. As capas do artista neo-surrealista Dave Mckean, e os diversos artistas que vão ilustrando e colorindo a série, são um chamado a mais para esta Fantasia.
Esta foi apenas a apresentação da série aqui no quintal, existem muitos pontos a serem reparados nestas 75 edições e uma profundidade imensa de conceitos a serem tratados.

Espero que, amanhã, ao acordar, pensem sobre o que viram no quintal dos seus sonhos. O mestre Oneiro, com seu corvo nos ombros, pode ter estado lá.


terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Inerência

Extremity de Emilio Gomariz


É preciso respirar com olhos atentos as mulheres com nomes de flor. É preciso que o nariz lhes toque a pele, que se sinta os perfumes com gosto de luzes. É preciso ouvir as notas doces de amendoim torrado, os tons suaves e amargos de lavanda.
É preciso correr

É preciso correr para um céu, um túmulo, uma caverna. É preciso escrever um filho, plantar uma idéia, escrever uma árvore por dia. É preciso dar tempo ao tempo que lhe toma tempo, num tique taque de tempo invisível. É preciso correr uma maratona ao redor de si mesmo.
É preciso rastejar

É preciso sorrir gentilmente aos covardes, maldizer os hérois, ironizar os palhaços. É preciso comer, um minuto por dia, um minuto por dia. É preciso entender os versos de Rosa, a prosa de Pessoa, o sabe-se-lá o que de José Paulo Paes. É preciso viver feliz na miséria e na dor e esquecer mulheres com nome de flor.
É preciso parar

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Ícaro


Caem-me por terra as coisas do ar
prendo-me num bunker secreto
entre quatro grades brancas
faminto de toda a sorte de sensações

Tanto pra falar e as paredes seguem caladas!

Para ocupar-me a boca
Como um prato de minhas angústias
um prato fundo todo de vidro e corte
tudo é silencioso e agora é vermelho

Cavo uma saída com as próprias mãos
deixo pedaços de unhas e de meu pesadelo
deixo aos gritos todo meu ventrículo esquerdo

Levo de lá um cinismo barato, cortes
um maço de cigarros
um novo ceticismo

Agora sou oficialmente perversão

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Concreto


Desato a entender vossos versos.
Eles
dançam
pueris
logo acima e
em mim.

A me comer, lentamente, a carne
como cães raivosos,

a quem dou nomes bonitos e trato como meus.

encobrindo

Essa, A inconstância, as nuvens...
só pode ser a senhora do vestido cinza,

Embalada em todo cinza

E que fala por metáforas

Todas as três

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Praia de Santo Apollo – Segunda parte

Quando ainda muito menino, morei no pé da Grande Serra que rodeia Santo Apollo, e bem de longe via o mar e o farol me chamando. Era de lá que vinham as estórias e lendas que permeavam todos na família. No primeiro sopro de noite, eu aproveitava as primeiras horas deitado no telhado da casa, olhando a queda das estrelas, seu momento de último esplendor em labaredas espirais até serem consumidas, descendo lentas pelo teto da avenida principal até a praia, iluminando o caminho, de um longe sem medida, até se tornarem um pontinho claro, quente e reluzente.

Assistia atento, aprendia sobre o ocaso antes do fim da noite, antes do tombo, antes de dormir.

Nós da Serra nos reuníamos muitos dias, meus irmãos, minha mãe, meus vizinhosm só para ouvir os mais velhos contando as histórias que ouviram de seus antepassados sobre os seres que procuram justo a queda dos astros para entenderem a encruzilhada do mundo. Lucy sempre falava de seus músicos, de um dos óculos redondinhos que a observou de longe no farol, enquanto desciam os astros. Coralina falava dos homens cavalgando cavalos bravos que pareciam consumirem a si mesmos, adentrando o mar. A senhora Urânia, que adorava ver os que vestiam turbantes, sempre um mais jovem, de tempos em tempos, medindo toda a cena, repetindo com detalhes os mapas, os esquadros e os compassos. Muitas eram as histórias, da encruzilhada deixada na areia para um violonista rir de seu destino, de um magro monge que sorria ao bater das ondas, de uma senhora que buscou visões por mil luas para não morrer nas mãos de seu marido.

De tantas boas histórias, a minha favorita era a do homem sobre a pedra e da pedra sob o homem, como intitulou minha avó, e fez a todos entender por completo os fins e os meios da cena repetida e que rodeava a cultura de mais de milhões de anos que vivíamos. Naquele tempo o então jovem coletor Isaac era guiado pelo já cego Hermes e se perguntava todos os dias como era possível que caíssem estrelas tão fortes. Em dia em que essa ideia lhe abateuviolentamente, apareceu-lhe um sorridente senhor, careca em óculos fundos e sangue cheio de ferro, que via a cenas desde a manhã, da mesma pedra do farol. Ele lhe entregou um punhado de esferas que a cheia levou até a base de seu sítio de descanso dizendo-lhe para pensar na pedra, para entender seu engima.

Isaac deixou que seu mestre seguisse e perguntou sobre o porquê da alegria, logo em cima de uma pedra tão instável e áspera, que ainda iria se dissolver no ar ainda mais rápido que as Esferas. O senhor lhe respondeu de pronto, sem muito ruminar a idéia, que haviam de ser mil pedras em um caminho longo e eterno, e que, até para os astros, o ciclo deve ser continuado. Se por um homem sempre à esquerda, pela mão de anjos, na tenebrosa luz ou para dizer aos bois que a hora de acordar chegou. Eram apenas retinas vendo e corações se perguntando, sempre no presente, sempre em um momento tão profano quanto o próprio presente. Se era assim tão passageiro, a queda das estrelas ou o dissolver de uma pedra, seu brinquedo de incomodar como a chamou, o importante mesmo era observar tudo para não esquecer. Se importar com o que vê.

Esse pensamento me levou a pensar nesses anos todos. Elas todas vão para os necessitados, se for permitido, criar outras estrelas, mesmo que imaginárias, dentro ou fora do universo, assim como criávamos todos os dias alí nas fogueiras de minha infância. Nesses anos todos vi mulheres de joelhos, pedindo conselhos e proteção aos outros, vi famintos agonizando em preces, vi reis caídos e plebeus gloriosos, dividindo vinho e lições. Era seu presente um ponto brilhante, ali seu conforto, ali o nascimento de um novo universo próprio e tão grande quanto aquele em que o céu da praia de Santo Apollo apontava.

Todos os meus dias, descalço e cercado de tantos mundos despertou em mim essa bravura no presente e, quando assim apareceu um menino que dizia ser todos os mundos daquela Esfera que tinha na mão, o treinei bem à beira da fogueira, para que ouvisse, logo em tempo e tanto quanto eu, todas as histórias de uma praia imensa e que absorvesse dali dos olhos, gestos e palavras de todos, a si mesmo diluído.

Para ele confidenciei que foi deste modo que despertou em mim a moça da pedra dos olhos brilhantes. Assim lhes conto meu destino, pois assim viu a pessoa de meu pupilo Caeiro, quando percebi o momento, logo antes, de terminarem as nebulosas por consumirem minhas vistas, peguei na mão de uma já senhora moça sentada na pedra e, nos mediando uma estrela em seu colo, nos dissolvemos no ar, levados pelo vento. Nós nos tornamos aquele presente que vimos desde o primeiro dia de minha vida coletando a história do universo.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Ali, Thália


Thália Bela
Thália Boa
Thália toda engraçadinha

Thália talha corações alheios
Thália entalha ladrilhos
nos desavizados

Thália é alarde e alaúde, Thália é da nossa laia
Thália é só afago
Thália, labareda e lago, Thália, lado e oposto
Thália nunca chega amiúde
[e se
Thália de saia de roda, Thália roda com gosto de roda

Thália pintura, Thália ali,
Thália seu retrato no louvre
Thália alicia, Thália alia

Thália, entoo teu ato, dou ao teu retrato
[todo inexato
O tato do grato poeta

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Canto da beleza real de Janaína


A vi de longe cantar
em teu manto claro de mar
deixando o vento soprar
nas águas de cá e de lá
tecendo as rendas
um engenho de rendas
que vejo engendrar
E se não posso lhe chamar
te nomeio Janaina
da beleza real de menina
desde já

Antes que espante
[e vá se deitar
lhe digo com toda pressa e sem pensar
que os mesmos pés que pisam o chão devagar
sentindo o mover que a lua branca lhe dá
hão de pisar no fundo deste verde mar

E sou eu que vou te chamar
Janaína, quando eu iya deitar
Inaê que me traz acaçá
Janaína, quando eu iya deitar
Inaê que me faz descançar

E sou eu que vou te chamar
Janaína, quando eu iya deitar
Inaê que me traz acaçá
Janaína, quando eu iya deitar
Inaê que me faz descançar

 Para acompanhar a leitura

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Uma ode, uma Dríade


A Vejo
Algo como o vento
traz na graça das árvores
Uma infante beleza que agrada
a beijar-me o rosto em sua briza
seja em dias de sóis inexpugnáveis
e luas cheias de todos os versos possíveis
todas as rimas dizíveis e inventáveis
nessa boa razão de parar-me aqui
a observar os bons lampejos livres
de uma só rainha das árvores
movendo-se
a dançar
a sorrir
me entreter
pois sem vê-la
não há aqui poesia

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Algo do Mestre Oneiro






















Sua face vil lhe mostra em um sonho
Que a derradeira chama que arde em ventre de mulher
lhe pode ser mais sagrada que lágrimas de pobres demônios em terra
Não, não falo de maldade absoluta, o ardil, o sonho vão
Falo da natureza humana num vai e vem infinito
Entre sombras e grandeza
Entre sonhos e tristeza
Entre três mulheres que vigiam da lua
Entre meus olhos, que repouza um mar de razão e sentimento
Tão vil quanto a face mostrada naquele sonho
A pobreza, a putridão, a marca da besta
Que somos todos aqueles que se fazem
Num mundo morphéico nossa morada
E morremos por lá, esquecendo que a carne aquece a carne
E o sol levanta sem precisar
Pra olharmos num espelho
Que aquilo que produzimos ao dormir
Pode ser mais belo ou mais feio
Mas ainda é o real, que não é real
porém forte e novo
A cada segundo
Que morremos
e supitamos
um pouco
de nós

terça-feira, 6 de julho de 2010

Ditado de aogosto


'Salt Cellar' de Irina Brzeski


A colher se envolve de sopa e
[seu gosto já sobe pela minha mão

É o mesmo que sorver água do mar empoçada num dia de calor
[como engolir a consciência que arrebata para se sentir melhor

Algo que lembre a ressaca de um fim de carnaval
[subindo pela ponta dos tarsos e metatarsos

Que pune, alimenta e lava com o mesmo sal

sexta-feira, 18 de junho de 2010

À graça de Tália


Era uma moradora dos sonhos
Agora se confunde na teia deles
Vinda do fundo das marés
[Numa oitava mais alta
na graça, na dor, na falta de espanto
Em que encara a arte de um mundo tão concreto que a cerca
É ela o sabor dos ventos que a levam

Nesses ares, uma mistura de musas e Calipso
Confundem-se e desentendem-se homens
Pois nela não há oceano a ser navegado
Já é as correntes que guiam, a comandar naus sem escolhas

E eu. caminhante do Oneiros
[Errante observador fiel
Me satisfarei eternamente em vê-la do porto
Ou me soltar em botes por poucos instantes
Cantar-lhe uns versos e lhe dedicar meus brindes

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Ofício



Levantei no domingo como quem levita da cama. A janela mostrava uma profusão de cores num pantone que não conseguia descrever. Saí sem me lavar, seguindo até a padaria numa das quatro esquinas que me rodeavam, comprei-me um maço de vinte literatos para explicar-me o dia melhor. Ao acender o primeiro percebi que o dourado matinal, se tranformando num anis calmo e eterno, rodeado por nuvens algodoadas já havia sido escrito algumas centenas de milhares de vezes. Meia-volta, café, pães, lotações apinhadas, frio matinal entrando pelo casaco, mais um passo e o sedã vermelho quase me tira o suspiro. Acendi o segundo e formulei uma boa narrativa sobre a morte eminente e os seundos que se tornam décadas antes do golpe, de um homem jovem e que poderia melhorar sua existência, eliminar qualquer procrastinação, alguém já escreveu e o senso comum se apoderou por clichê, cabeceei o poste, esqueci do nome da personagem e da bela senhorita que ele se declararia depois do devaneio em que conversava com Hades. Pena não poder amassar o papel ou deletar o arquivo, um dos maiores prazeres de um escritor ruim, como uma explicação para a falta de técnica, o papel em branco diz que o mundo pode ser novo.
Falando em pena, compro-me uma após o almoço, piedade com cerdas e ponta fina número seis. A tinha perdido depois de matar meu serralheiro poeta em um de meus contos, a golpes de formão e furos de furadeira. Agora poderia vender alguns finais felizes, ao modo das boas novelas. O problema é segurar os heróis separados até o fim do texto. Acendo o sexto literato e resolvo amassar o papel, ou talvez a escrivaninha. Resolvo voltar a meus dois litros de café e ao fantasioso nonsense, a cama me chama e sonho amassando alguns quadros de Dali e desenhando obsenidades em outros, pra tirar o surreal dali. Ao me levantar novamente escuto alguns violões dos vizinhos abaixo, alguns gritos e o barulho de copos a bater, penso estar sozinho. A escrivaninha me chama pra falar da solidão, sentimento necessário pra qualquer escritor que queira ser legal, imagino-me sozinho andando pelas ruas, narrando as coisas que só quem anda por si só pensa, abri uma garrafa de estilística para me aprofundar e quando dei por mim, já estava no apartamento de baixo cantando alguns clássicos da década passada e me embebedando com os vizinhos.
Ao retornar resolvi terminar o ofício, idealizei uma mulher na cama, porém não consegui me decidir por morena em curvas e pecados, alva como a musa de um cavaleiro medieval.Como estava sem fogo para um último literato, não dicerni bem cena alguma e quando percebi, havia dormido com uma vaca holandesa malhada.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Á frô (numversomaió)


A Frô se abre num sorriso
Pétala por pétala , bêja meus óio, meu sór, meu dia
Nessa única manhã que o tempo me deu
Irradia um brio da frô e me pregunto,
Pra quê lua?

Dum sarto, que me veio nas vista
Da coroinha branquinha, do miolim marelo
Enchê meus óio, me esqueceno o aluá
E me lembrano das coisa boa da vida

E me pego apreguntano as veis
Se a mema frô que abraça o horizonte
E dá o chêro de novo no dia
Vai ficá lá em riba preu adimirá
Ou vai descê preu senti o prefume daqui

E si num descê, eu digo cá procê
Qui lua tomém num desce
Mais num chera qui nem frô de laranjeira
Mais num chera qui nem frô de laranjeira

terça-feira, 8 de junho de 2010

Onçaborboleta


Dança a borboleta numa árvore daqui do jardim
Ou é o jardim que dança perto da borboleta?
Seus voos causam furacões
[e assim
Penso na braveza de onça, naqueles olhos puxadinhos
Penso que o sol também dança ao redor da borboleta
Observo sua volta e sua ida e sua vinda
Me alegrarem mais um dia

Meu amigo Senhor Poste!

Quando me vi sendo cumprimentado por um poste aas quatro da manhã, entendi que havia cometido mais um excesso de sábado.
_ Boa noite meu jovem! _ me disse naquele sotaque português meio forçado. Sentei-me ao seu lado para descasar da longa caminhada de duas esquinas que me separavam do Amarelinho.
_ Noite sêu poste _ respondi sem lhe olhar ao rosto. Ficaria meio zonzo se me voltasse para cima.
_ Que estranho me pareces... Não lhe espantas que um poste fale contigo??? _ olhei-o no rosto enfim, rodando um pouco os córneos ao ritmo da imagem _ Não, de forma alguma. Semana passada me falou uma lixeira, num baianês rápido e ininteligível. Melhor o senhor que pelo menos entendo...
Por alguns segundo olhei para o chão e me senti sozinho. Havia brigado com um de meus melhores amigos por causa de um mísero ultimo amendoim da mesa! Era umcrápula... um crápula. O poste continuava lá, espantado ainda
Pus a mão no bolso da camisa, retirei minha carteira de cigarros e o isqueiro num movimento reflexo.
_ Dai me um que o dia foi longo. Quase que um azelha me bate com uma carocha e me parto aos retalhos _ Não entendi lhufas, mas ser um poste é algo que deve cansar. Dei-lhe um cowboy e o acendi. O poste então resolveu se sentar ao meu lado. Pude ouvir os fios sendo se esticando e me vali de certa preocupação, me contive um pouco, seus olhos estavam caidos como os de um operário. Puxei um papo para nos distrairmos.
Começamos a falar sobre futebol: A Portuguesa enquanto símbolo da cultura lusitana no Brasil e o fato de que nesta cidade poucos torcem para times deste estado. A cerveja encarecendo gradativamente ao longo do tempo e como as mulheres têm comprado bolsas maiores e cachorros menores, como se fossem fazer uma criação de poodles dentro daquelas monstras de pano/couro, frivolidades e coisas sérias. Contei-lhe de minhas mesquinhices e dificuldades e ele das dele. Não tem como descrever o quanto é profunda a alma de um poste, suas preocupações e anseios!
Quando o sol começou a incomodar meu olho avermelhado, me dei conta do passar das horas e tive de me levantar e me despedir. Foi um dos melhores papos da minha vida.

Quem sabe semana que vem eu não encontro alguma torre telefonica gente fina?

Publicado em http://www.fotolog.com.br/redlobster01/38464251 , em 18/08/09