sábado, 27 de março de 2010

Pavões

_ Nunês, traz-me um maço daquele ali _ o homem de calças brancas e pescoço inclinado para olhar as pessoas de cima chegava na porta do Bilisco, bar do bairro Sant'Antão.
_Burguezinho fresco da porra! _ Pensou o dono do bar, já trazendo o cigarro de mais de seis contos _ Vai contarvantagem e afastar o povo.
Mario era metido a new rich: Relógio de ouro da espessura do pulso, carro automático, sapatos de jacaré envernizados e terno branco com a camisa, de uma cor que sua mãe usa no batom, aberta. Sempre parava no botequim do bairro onde morava pontualmente as oito da noite das sextas-feiras, a seis anos, para contar suas glórias e se desfazer dos que ali passavam sua vida, todos os dias, se escondendo de suas respectivas patroas.
_Minhas viagens a Maiame tem piorado a cada dia. Os charutos daquele escote bar na rodeio draive por exemplo, só tem servido charutos peruanos! Imagine, eu pago o preço de cubanos. O que um homem deve fazer para ter seu Corriba? Eu tenho que comer quem ali _ e ria, peço que imagine-o com a mão, cheia de anéis com pedras enormes, na barriga, envergando o corpo pra trás e expelindo o som "Hohohohoho", babando em alturas. Depois começava sua palestra sobre os sabores de um Blue Label, coisa que nenhum dos pobres trabalhadores mortais que gastavam suas noites ali, saberiam dizer, quiçá de uma pinga de mais de três contos. Depois falava da má qualidade dos camarões graúdos do Brasil
Eles não conseguiam aguentar as vantagens que aquele emergentezinho lhes impunha. Pense, como saber do sabor de um malte num whisky de setecentos paus, se o que mais lhes agrada é o gosto da pele de porco metida a bacon que suas respectivas patroas mergulhavam no feijão do almoço.
Eram frequentes comentários como _ Nunês, traga-me uma boêmia na taça, esses copos me dão asco _, ou _ Nunês, ponha um João Gilberto que esses pagodinhos me fazem sentir pobre como vocês.
Não havia frequentador, pelo menos os que já conheciam a peça, que se habilitava a começar um diálogo com o importuno. Logo seu dedinho coçaria a rala barbicha para mostrar a safira e o nariz se empinaria de um jeito que os pelos de lá começariam a encomodar. Assim como os peitos de silicone que pulavam para fora do vestido justo da mulher dele, quando ela vinha buscá-lo. Pareciam bolas de futebol americano, com bicos de mamadeiras de elefantes.
Por anos a clientela pedia pro Nunes expulsar o encosto de luxo, mas o homem era catedrático, _ a situação é a seguinte: Enquanto vender cervas de seis real e cigarros de cinco real pro mocinha, ele se mantem no estabelecimento, correto? _ e se mantinha na posição de comerciante a favor do livre comércio e de grana em caixa.
Certa sexta baixa no bar um ser assemelhado a Mario: Camisa prada, mocassins de cobra, um cheiro de notas recém impressas e um rolex reluzente até naquela noite. Olhou para todos os lados, num olhar de sem expressão e semicerrado, e se ajuntou em uma mesa que nunca era ocupada, perto do balcão e da mesa do almofadinhas já recorrente. Como animais que reconhecem a mesma espécie, eles se olharam, de cima a baixo e Mario quebrou o silêncio _ O senhor tem bom gosto eu diria _ feliz de ver um de seus iguais.
O outro badulaque social fez uma expressão de alguém que come algo amargo e balançou a cabeça com aquele mesmo olhar de insone que entrou.
_O senhor não sabe com quem está falando, sabe? _ peitou Mario levantando da mesa e jogando a cadeira para trás. A resposta veio a cavalo, floretes em riste para um embate. Seria algo como dois pavões numa ringue de Ultimate Fighting.
_ Sim, alguém que compra sapatos falsos de jacaré, usa um relógio falso e dirige carro de classe média_ Isso foi um Jab e tanto! Os clientes do Nunes se juntam, forma-se um círculo.
_ Sua peruca é tingida! _ Pof! 10 por um no riquinho novo e crescendo _ Seu botox é financiado _ Kapow! As cadeiras são arrastadas_ Sua mulher tem tantas plásticas que de sexo quatro pra vocês é na nuca! _ Badabum! Apagam-se as luzes e deixam apenas uma para iluminar o ringue _ Seu filho dirige um Uno! _ Tabefe! O sangue sobe à cabeça _ Sua filha está grávida de um hippie! _ Crash! O nível das ofensas cresce e os nervos estão em crise_ Seus vinhos você compra na padaria! _ outra onomatopéia pra pancada (cansei disso, fodi com o climax do texto... saco)! O grand finale se aproxima!_ Você deve ser corintiano!
...
Silêncio geral. As pessoas voltam para seus lugares, todo mundo faz cara de que aquilo passou da conta. Nunes se faz a própria cara do demônio, vermelho como tal, seus bigodes de portuga sexta geração se arrepiam os punhos cerrados sobre o balcão.
_ Pera lá seus comedores de croassão de merda! _ baba lhe escorre nos cantos da boca _ Ninguém fala mal do meu Curitia! _ Eu aguento suas frescuras e aceito seu dinheiro, agora ouvir vocês falarem mau do meu curítia é uma coisa que eu não vou aguentar nunca nessa minha vida _ E expulsou os sujeitos na bala.
Hoje eles se entendem, tem um caso de amor conjugal, um com o outro naturalmente, mas não passam na frente do bar do Nunes.

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