sexta-feira, 27 de abril de 2012
Uma ode mínima, a uma grande garota
_ Mas como que faz?
_Escreve-se uma prosa! _ mas ela não se chama rosa...
_ Então escreve um poema, mesmo ela num chamando Moema, faz uma poesia, mesmo ela não se chamando Luzia. _ ...
_ Faz mais ou menos assim:
"um pedaço vivo de intenção
boa,
vibração inquieta, impetuosa
moça,
intenção contínua que
ecoa,
pequena senhora, grande
pessoa
se pudesse rimar,
rimaria, (ri aí maria!)
seu nome com chama,
alabama, holograma, diagrama
quilograma, trama, melodrama...
mas nunca com
calma, que aí
desentoa
se pudesse te dar presente
seriam os carinhos
das patas grandes
de uma mamãe
leoa
seria a última filha da última
petúnia nos jardins de saturno
e te levava pra ver tudo isso
numa grande
canoa"
_ É uma pena eu não saber rimar.
_ Sim, é uma pena.
quinta-feira, 26 de abril de 2012
liberdade, liberdade, liberdade
eles me regulam o
humor. eles regulam do que tenho horror. eles regulam meu cigarro, pra me
regular o catarro. eles me regulam a inteligência, eles me negam a ciência.
eles me regulam a competência. eles me regulam a saudade. eles me regulam a
distância. eles me regulam o que sai no papel da minha mão. eles regulam minha
escrita de porão. eles me regulam a residência. eles me regulam a consistência.
eles me regulam as putas, os cavalos, os partos e as cicutas. eles me regulam
os horários, com vinte minutos pra comer, rezar e foder. eles me regulam
cervejas de seiscentos eme-éle. eles me regulam o torpor, a ebriez e a revelação.
eles me regulam a maciez das coxas. eles me regulam a estupidez das moças. eles
me regulam o carinho das outras. eles me regulam o medo. eles me regulam a
consciência. eles me regulam os mares, os morros e as marias. eles me regulam
quantas escovações devo fazer por dia. eles regulam a quantas escavações eu devo
me submeter por ano. eles regulam quantos esporros eu devo dar por dia. eles regulam
quantos metros devo ter, quantos centímetros devo ter, a quantos quilômetros
devo estar. eles regulam quantos pingos deve ter meu mijo. eles regulam quantos
has devem ter meus sorrisos. eles regulam o quanto de tinta deve ter meus
riscos. eles regulam quantas voltas devo dar no meu fusca. eles regulam
quantos ridículos devo passar. eles me regulam quantas crianças devo fazer.
eles regulam o quanto de palhaço devo atingir. eles regulam minha pressa, meu prazo e meu perdão. eles me regulam a gordura
dalcatra, do arroz os grãos. eles me regulam as folhas de alface e os bagos do
feijão. eles me regulam o samba, a saída e a senhora. eles me regulam luiza, clarisse e aurora. eles me regulam canalhisse. eles me regulam babaquice. eles regulam minha velhice. eles me regulam alice, patrícia e a dora. eles me regulam a sorte.
eles me regulam a morte. eles me regulam o corte. eles me regulam, senhor. sim. eles me regulam a dor.
quarta-feira, 25 de abril de 2012
Lenga nº 300 _ \sqrt{-1}
Na cabeça
uma flor ecoa o mal
insistente lado umbral
um brado, um lado
igual
Nas estantes
um livro come os povos
mortos contam seus medos
um som, um saldo
nupcial
No caderno
o branco papel
um lápis agá dois
um rabisco, um quadro
surreal
terça-feira, 24 de abril de 2012
sexta-feira, 20 de abril de 2012
Se podes ler, repara: A cegueira e a cegueira de Saramago

Não me restaram dúvidas que a experiência causada por Saramago é como um teleporte para uma realidade alternativa, tão plausível, que causa espanto. Através de uma linguagem que requer do leitor grande imersão, Ensaio sobre a cegueira conseguiu, por diversas vezes, que as letras no papel fossem clareando, tom a tom, caminhando para uma brancura insuportável a ponto que tive de me afastar do livro e chacoalhar a cabeça algumas vezes, apertar bem os olhos, para só então voltar à leitura.

O cinismo, a atenção e entrega requeridos, além dos espaços labirínticos, mesmo que vistos pelos olhos da única personagem a conservar a visão, vão transformando o leitor à medida que ele avança no texto. Passei a sentir texturas, cheiros e a ouvir barulhos que não ouvia, enfim passei a reparar, pelo menos num sentido que fala ao leitor o prelúdio do livro, mesmo que por aquele breve e tortuoso momento que passei com o texto.

Resta saber se você terá a mesma disposição.
Saldades
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Quando, à noite, o Infinito se levanta A luz do luar, pelos caminhos quedos Minha tactil intensidade é tanta Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos! _ Augusto dos Anjos |
Há num'alma extinta cinco dedos em riste
palmados em dor extensa
num golpe
Mindões anelários médiuns indica dores
poligares desligados na tomada
forçam um movimento orquestrado
para cem violinos desafinados
Gritam um rasgo ao peito
O aDeus a ateus novos
que a lembrança do que viria
com seu custo ardiloso
e à vista
cria a golpes no canal lacrimal
da memória do futuro que não se veio
de pé resta O adeus
não até logo
que a lógica se foi em súplicas
e uma boa e invisível fita adesiva
dermoabrasiva
fez questão de tapar
Os escombros fazem questão
de emergir do túmulo
zumbis inoportunos do ontem
se confundem
com os fetos mortos do amanhã
que teimam em revolta a sair da boca
Resta matar não vivos
esses que ainda não sabem morrer de novo
enquanto se despede em pé a alma extinta
*Pintura de Colin Harbt _ Decomposição da memória
quarta-feira, 18 de abril de 2012
Oração aas rameiras de Camões
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Quero ser a cicatriz / Risonha e corrosiva Marcada a frio / Ferro e fogo Em carne viva _ Francisco de Hollanda |
Ainda que a peste
mestiça chaga mística
Se tatuar em minha pele, não temerei pois tu,
concreta e gasosa musa vária
trípoli verde amarela e carmim malária
Me ensina a tabuada de ser quimera
Fundida em ouro de tolo, Cravejada de brita
Orgulhosa quimera híbrida
Sem lar,
no chão,
semente
Minha pátria é a língua da puta que me pariu
terça-feira, 17 de abril de 2012
odoyá napalm
![]() | |||
Amor é um fogo que arde sem se ve É ferida que dói e não se sente É um contentamento descontente É dor que desatina sem doer _ Camões |
sem terço, nem cerimônia
desgraço ritos antigos
e prego a reza com um martelo
_na oferenda máxima de sangue
o seu deus é você em veias
velhos conhecidos tubos
de ensaio das danças de fogueira
imponho o fogo na casa
dos ancestrais, dos meus avós
desesqueço a história escondida
faço carvão pra aquecer
_oxalá fosse eu ali no seu lugar _
quer viver agora sem sangrar?
_oxalá fosse você aqui nesse lugar _
quer viver agora sem sambar?
deixe que o agora eu mesmo
tatuo no agora e eu mesmo
não temo a culatra atirada passada
_agora pode!
correm nos rios vermelhos
toda sorte em cores
posso ser indochinês godoalemão
celtasudanês aborígenemongol
posso ser pagão
furto todos os deuses
em nome de um deus
sem saber que todos eles
são todos eles
o mesmo deus
ateu
segunda-feira, 16 de abril de 2012
realidade coprofágica
![]() |
Deus é um conceito
Pelo qual medimos / Nossa dor
Falarei de novo / Deus é um conceito
Pelo qual medimos / Nossa dor
_ God - John Lennon
|
Comem-se flores regadas com sal que seu avô plantou
[na cova rasa
Vomito-as com gosto de naftalina
Era seu?
Era nosso?
Hera venenosa?
No prédio do centro comercial:
Eruditos imortos nutrem
crianças seminovas de milioitocentos anos
dos seus peitos velhos e cinzentos
o pó salgado que recicla prega:
"Merda de pintor a noventa mil dólares/grama
Te ensina o que é arte em Wall Street"
Suprasuper
Cubineorealisurrealaringologistas
Protopunkpostelvis nas revistas
Vencidos, estamos todos nas mãos
rugosas e sujas e belas
dos liristas
Vendidos, estamos todos nas latrinas
modernas e portáteis e caras
dos ricos e farristas
Comem-se flores de plástico.
Preferia as do seu avô
sexta-feira, 13 de abril de 2012
Utopíminas
![]() | ||
Minha terra tem mais rosas E quase que mais amores Minha terra tem mais ouro Minha terra tem mais terra _ Oswald Andrade |
Daqui dos morros
O pacto é sem mar
Submergimos
Mas n'outra poça
O mergulho é no sangue
Ferro, sal, enxofre
Enxame desconfiado
Gene dos inconfidentes
Daqui dos vales
A gentileza é funda
Gracejamento
Polida desavença
O tiro ricocheteia
Rebimbomba forte
No trem desgovernado
Gene do sêu Rosa
Daqui das minas
Todas as minas
do profundo
Não sai carvão,
Sai sim
mais meio mil metro de mundo
quarta-feira, 11 de abril de 2012
O cu do mundo
![]() |
Buraco, cova, cavada, no cemitério, é jazigo; caçapa, se na sinuca; cacimba, se no sertão; Se for bem fundo no chão vira um poço de petróleo, que só sobe por pressão. _ Durval Nunes |
o cu do universo
o espasmo oculto
o buraco negro
a interface que suga
para os devidos fins,
é aqui?
no meio errático
do país
de um estado
da bruzundanga?
é aqui?
mais sujo
mais ardido
mais intrépido
do que o redondo
analógico
esfíncter das almas dos que pecam por medo do inferno?
é aqui?
a representação do medo das moças
a representação do enfermo desejo
pelo sujo esgoto,
mas no momento
em tamanhos galácticos
a entidade briocal
do judas mal julgado.
é aqui que...
no cosmos a enterprise se comunica
no âmago do que foi
um sol:
"_ouvi que é daí
o som
do bom
e velho
in
and
out,
in and out?
_ seus sujos!"
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