quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Crônicas de Quintal nº0 - Chegando a lugar nenhum



Saí para anuviar, na chuva mesmo. Meu vizinho não parava de tocar João Rodrigo e Pirassununga. É preciso escrever, mas assim já é triste, tenho muito para contar e quintal nenhum pensar. Eu não tenho quintal na verdade, mas o título é bem correto e se nós formos à esquina de trás do prédio, comprar umas duas garrafas da cerveja mais barata, eu posso te contar algumas coisas.
Se não quiser beber, talvez você não entenda tudo...
Afinal, ouça, eu não acredito em obra aberta nem em universalidade da literatura, então as coisas acontecem assim: eu falo e você só me diz se entendeu. É uma questão de troca, talvez você se acostume na terceira prosa, talvez saia correndo agora, o fato é que com esse sertanejo romântico eu não fico mais. E eu tenho alguns reais e capas de chuva, não precisa pagar nem se preocupar em molhar.
Nesse bar eu sento, anuvio, esse bar é meu quintal. A turma sempre senta por aqui, minhas ex-namoradas sempre sentam naquela cadeira, e eu sempre sento nessa aqui. E o sertanejo romântico daqui é mais aceitável. Sêu Edson não aceita que tirem Cardoso e Cardinho, portanto é melhor que nós aceitemos. Aliás, como você pode perceber, ele costuma a colocar Roberto Carlos no talo quando vê que eu cheguei. É meu nome, talvez porque minha mãe gostava de pernas mecânicas, talvez porque ela achou que eu seria feliz com ele. A questão é que nos acostumamos com nossos nomes não é? Com tantos Maxwilsons, Charlesnauberes, Uóshitoms, prefiro continuar me chamando Roberto.
O mais legal é não ter apelidos, Beto, Betinho, Robinho, eles nunca pegaram, nem vão pegar. Essa minha cara fechada fica no meio dos apelidos, além desse meu jeito de não terminar o pensamento com clareza, como estou fazendo agora, não deixar ninguém se definir direito. Talvez meus amigos consigam, mas agora todo mundo está ocupado, longe, maquinais na vida até surgir sexta-feira. Só eu que vagabundeio, desempregado, de férias da faculdade, inquieto, e me sento aqui no meio da semana, bem nesse horário.
O barato daqui é olhar quem chega. Na minha idade é difícil alguém que preste atenção nos tiozinhos que falam de suas amantes, do quanto às coisas eram mais baratas na sua época, de como a política é assim ou assado. A maioria dos garotos tem senso, porque é muito chato mesmo. Falando em chato, vou acender um cigarro e você não vai se incomodar, certo? Espanta o cheiro do torresmo que deve estar fritando na cozinha pra aumentar o colesterol de algum desses camaradas de meia idade.
Eu tentei um emprego com esse da mesa da direita. Ele é editor do Correio Farinhapodrense, disse que eu era bom, mas que faltava experiência. Imagine? Experiência numa vaga de estagiário? Tomara que essa pele de porco entupa até a jugular dele. Só porque não faço a barba todo dia, não uso sapato nem camisa, não tenho QI... É provável que ele tenha razão afinal. Eu tomaria o lugar de muita gente lá dentro que escreve do mesmo jeito a uns dez mil anos.
A propósito, eu sempre quis fazer jornalismo, agora só queria escrever minhas besteiras, lecionar sobre literatura. Deve ser mais fácil dar aula, o curso deve ser bem mais fácil e a sala lotada de pessoas que gostam de ler e não ficam falando tão errado como lá na comunicação social. É um complexo que eu tenho com a minha turma. Parece que eles deveriam fazer outra coisa e que eu não deveria estar ali. Eu me sinto assim com a maioria da universidade. A divisão clara entre humanas e exatas é um porre. É triste ver engenheiros apontando o dedo e se vangloriando de ganhar o dobro do que o pessoal da história. O fato é que alguém sempre fica na melhor ou na pior e quem ganha dinheiro mesmo são os médicos, ou é isso o que parece.  No final das contas, nada vai parar as duplas sertanejas, o pagode e a arrogância dos professores na universidade.
Já que anuviamos, é melhor que eu comece a te contar sobre a turma. Como não sou um cara legal, não vai ser bem agora. Nesse momento, tenho muito a escrever, pouco a contar.

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