segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
Notas de Quintal nº1 - Natal depois da infância
Como primeira notação, mesmo depois de um ano e pouco escrevendo por aqui, resolvi pegar como pano de fundo meus natais.
É tão interessante se perceber como a forma que comemoramos o Natal vai se modificando ao longo do tempo. Quando muito criança eu aceitava toda aquela mítica de um velho gordo que andava em um trenó puxado por renas voadoras, entregando presentes pelo mundo. Se soubesse, na pouca idade, dos efeitos do LSD, já podia conectar uma coisa a outra, ou mesmo, com um pouquinho mais de pérspicácia, me perguntaria se todas as crianças das comunidades carentes eram sempre malvadas durante o ano. Meus pais tentaram, com desculpas esfarrapadas, sempre contornar essas idéias, num esforço vão de manter o espirito natalino e o yadda yadda do fim do ano. Aquilo era muito bonito nos especiais de natal, e eu sabia daquela enrolação toda. Eles gastaram seu dinheiro para me dar coisas que ficava sonhando, ou melhor, sendo lobotomizado pela TV, o ano todo por seu valor exorbitante. Não sabia dos impostos de fim de ano e dos materiáis escolares e da grana que se gasta quando se tem um filho em casa 24hrs por dia. Lembro-me de quer um Game Boy mais do que qualquer coisa o ano todo, e que tive prazer quase orgásmico quando comecei a jogar Pokemon naquele visirzinho de vidro temperado. Um ano e pouco depois, a preço de banana o troquei por um Playstation, que já declinava para o Playstation 2... E meu pai gastou uma grana ferrada naquele joguinho.
Eu já sabia que o garoto propaganda do senhor Rockfeller, vestido de vermelho, branco e preto, não tinha nada com aquilo tudo. Meus páis tentaram, inutilmente, me enganar com essa história até uns sete anos, quando as coisas apertaram e o papo de eu que pago isso e aquilo veio à tona. Poucos anos depois, quando as vacas emagreceram um pouco mais, descobri que era uma festa pagã anterior a Jesus Cristo, repaginada pela Igreja Católica e depois pelas grandes empresas, meio complexo, mas fazia mais sentido que toda essa idéia que desafia tempo e espaço e que é cheia de clssismos, também não aceitava o bandido-mirim da minha escola ter sempre os brinquedos mais caros, mesmo fazendo todas as filhadaputices possíveis. Mas se você estiver se perguntando, pra mim pouco importava, eu só queria ganhar meus brinquedos e, ocasionalmente, uns torcados. Era o que importava pra um garoto antes da adolescência.
Depois, na adolecência, o sentido se perdeu mais ainda. Tudo era tão confuso, o gosto pelo sexo oposto mexeu tanto com a minha cabeça, e as vacas emagreceram mais ainda. Passei todos com minha avó e meus tios, indo cedo pra cama ou vendo alguma besteira na internet. Quanto aos presentes, já não me importava com eles diretamente. Se precisava de um tenis, porque o que tinha estavadurado a uns meses, ganhava no natal. Se precisava de umas camisas, porque as minhas faziam gerações de sua velhice, ganhava três ou quatro e um ocasional livro de minha tia, que me deu uma das coisas mais legais da minha adolecência, uma camisa do Led Zeppelin. CDs do Aerosmith ou do Black Sabbath, que acabei ganhando em um aniversário ou outro, depois de encher muito o saco, ou mesmo cartas de Magic (sim, nerd desde muito cedo) eram supérfulas de mais, e os pegava emprestados por meses.
Não que meus pais não faziam esforços sabe, mas desde então temos um contrato de acordo comum em que se o dinheiro permitisse, nós nos daríamos presentes, se não, paciência.
Nesse momento, estou na terceira fase, que é quando se começa a trabalhar e sentir o preço das coisas. Esse acordo entre mim e meus pais, principalmente minha mãe, faz todo o sentido. Ganhar camisas, ganhar meias, ganhar uma ceia, nunca fiquei tão agradecido com qualquer coisa que me dessem. Posso dizer que nesse ano, o porre e o pernil, além e um All Star, tipo de tenis do qual nunca irei me livrar até o fim dos tempos, foram tão inesperados e bem vindos, que nem um violão novo ou algum remanescente da edição nacional de Deuses Americanos seriam tão legais. Natal se tornou, no fim das contas, uma forma de comer e beber com quem se gosta, o sentido deveria ser só esse.
sábado, 18 de dezembro de 2010
Lenga nº 2 - Aetherium
Dois antes do almoço, um antes do jantar, meio às seis e meia. Ou seis ao meio dia e meia?
Um antes das onze, para abrir o apetite, dois antes das onze para fechar o apetite.
Um para dormir, um para acordar, uma para sonhar, outro para continuar sonhando, que eu não sei se tomei dormindo ou acordado.
Cega o ego, vê de fora
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mitul peşterii - myth of the cave |
Há um dia de ver, exposto, expresso, extenso
O todo a machucar suas retinas, pois vil
E viu, todo mal e moléstia
Agora cego, a querer redenção, não vil
[mas vil
Pede inconsequente, pede consequente
[afago desmerecido
Acreditando num motivo maior
Creditando algo que não existe
Numa explicação que não convence
A alguém que não quer ouvir
Se portanto o tanto visto fizer luz
para o panorama panorâmico
e mais de fora afora ver
Que desça e peça por favor
bem baixinho
Pro ego teu não ouvir
Crônicas de Quintal nº 0.5 – Dor de cotovelo
Ele começou a acender umas luzes na sala, não sei por que, eram três da manhã e meu avô jogou pela janela do prédio. Foi horrível, foi... o horror.... o horror! Eu deveria... tudo bem, eu realmente vou precisar de seu lenço agora.
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
Lenga nº 1 - Carbono
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
Las manchas en el cuello
O Desejo de um copo, cheio, imaturo
reconfortante
A criar todos os feixes, inspiradores e enganadores
A criar versos embebidos, embriagados, emputecidos
No Kaos, no Limbo
Matam assim, todos estes pudores.
Pois que então lhe conto de La Mancha:
A marchar
o errante,
cavaleiro
exitante excitante exitante
Pensava ter pra si inteiro mundo fantástico
Ficou para sí só a metade
Horrível começo, fim excitante
Herói bravo!
e dura fama de triste palhaço
Na insonia de seu mundo orféico
andando só em delirios, na epópeia
Clichê , Conflitante
Anda em nosso mundo, da rua aa casa
Do luar aa mingua
Anuncios de cigarro, agiotagem, Cartomantes
E prevê doce fim, doce fim de seu mundo
Dragões em seus distintivos, moinhos de milho em pó
Não sangue anís, mas vermelho vivo.
O beijar de máscaras sem haver carnaval algum
Março de 2009
Crônicas de Quintal nº0 - Chegando a lugar nenhum
Keith o pirata, Mick o cavaleiro

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
Sandman, Morpheus, Oneiro
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"Eu ando pelas areias do sonho sob a pálida lua: através dos sonhos de países e cidades, sonhos passados de lugares há muito tempo perdidos e horas além da recordação." Morpheus in Vidas breves |
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Morpheus |
Lendo Sandman, você diria que sim. Que toda essa confusão seria mais intensamente vivida. Visitaria o inferno, a cidade de prata dos anjos, muitas eras passadas na terra, além de se apaixonar perdidamente pela Morte. É sério!
Sonho e Morte dos Perpétuos |
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Capa de Dave Mckean |
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Sonho e Matthew por Tony Harris |
O ponto mais alto da série é colocar conceitos, como o de deidade e o próprio maniqueísmo (o que é bom e o que é mal) em um questionamento mais alto, além de trabalhar com a realidade de forma adulta, sem perder a fantasia. As capas do artista neo-surrealista Dave Mckean, e os diversos artistas que vão ilustrando e colorindo a série, são um chamado a mais para esta Fantasia.
Espero que, amanhã, ao acordar, pensem sobre o que viram no quintal dos seus sonhos. O mestre Oneiro, com seu corvo nos ombros, pode ter estado lá.
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
Inerência
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Extremity de Emilio Gomariz |
É preciso respirar com olhos atentos as mulheres com nomes de flor. É preciso que o nariz lhes toque a pele, que se sinta os perfumes com gosto de luzes. É preciso ouvir as notas doces de amendoim torrado, os tons suaves e amargos de lavanda.
É preciso correr
É preciso correr para um céu, um túmulo, uma caverna. É preciso escrever um filho, plantar uma idéia, escrever uma árvore por dia. É preciso dar tempo ao tempo que lhe toma tempo, num tique taque de tempo invisível. É preciso correr uma maratona ao redor de si mesmo.
É preciso rastejar
É preciso sorrir gentilmente aos covardes, maldizer os hérois, ironizar os palhaços. É preciso comer, um minuto por dia, um minuto por dia. É preciso entender os versos de Rosa, a prosa de Pessoa, o sabe-se-lá o que de José Paulo Paes. É preciso viver feliz na miséria e na dor e esquecer mulheres com nome de flor.
É preciso parar
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
Ícaro

Caem-me por terra as coisas do ar
prendo-me num bunker secreto
entre quatro grades brancas
faminto de toda a sorte de sensações
Tanto pra falar e as paredes seguem caladas!
Para ocupar-me a boca
Como um prato de minhas angústias
um prato fundo todo de vidro e corte
tudo é silencioso e agora é vermelho
Cavo uma saída com as próprias mãos
deixo pedaços de unhas e de meu pesadelo
deixo aos gritos todo meu ventrículo esquerdo
Levo de lá um cinismo barato, cortes
um maço de cigarros
um novo ceticismo
Agora sou oficialmente perversão
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
Concreto

Eles
dançam
pueris
logo acima e
em mim.
A me comer, lentamente, a carne
como cães raivosos,
a quem dou nomes bonitos e trato como meus.
encobrindo
Embalada em todo cinza
E que fala por metáforas
Todas as três
terça-feira, 30 de novembro de 2010
Praia de Santo Apollo – Segunda parte
Quando ainda muito menino, morei no pé da Grande Serra que rodeia Santo Apollo, e bem de longe via o mar e o farol me chamando. Era de lá que vinham as estórias e lendas que permeavam todos na família. No primeiro sopro de noite, eu aproveitava as primeiras horas deitado no telhado da casa, olhando a queda das estrelas, seu momento de último esplendor em labaredas espirais até serem consumidas, descendo lentas pelo teto da avenida principal até a praia, iluminando o caminho, de um longe sem medida, até se tornarem um pontinho claro, quente e reluzente.
Assistia atento, aprendia sobre o ocaso antes do fim da noite, antes do tombo, antes de dormir.
Nós da Serra nos reuníamos muitos dias, meus irmãos, minha mãe, meus vizinhosm só para ouvir os mais velhos contando as histórias que ouviram de seus antepassados sobre os seres que procuram justo a queda dos astros para entenderem a encruzilhada do mundo. Lucy sempre falava de seus músicos, de um dos óculos redondinhos que a observou de longe no farol, enquanto desciam os astros. Coralina falava dos homens cavalgando cavalos bravos que pareciam consumirem a si mesmos, adentrando o mar. A senhora Urânia, que adorava ver os que vestiam turbantes, sempre um mais jovem, de tempos em tempos, medindo toda a cena, repetindo com detalhes os mapas, os esquadros e os compassos. Muitas eram as histórias, da encruzilhada deixada na areia para um violonista rir de seu destino, de um magro monge que sorria ao bater das ondas, de uma senhora que buscou visões por mil luas para não morrer nas mãos de seu marido.
De tantas boas histórias, a minha favorita era a do homem sobre a pedra e da pedra sob o homem, como intitulou minha avó, e fez a todos entender por completo os fins e os meios da cena repetida e que rodeava a cultura de mais de milhões de anos que vivíamos. Naquele tempo o então jovem coletor Isaac era guiado pelo já cego Hermes e se perguntava todos os dias como era possível que caíssem estrelas tão fortes. Em dia em que essa ideia lhe abateuviolentamente, apareceu-lhe um sorridente senhor, careca em óculos fundos e sangue cheio de ferro, que via a cenas desde a manhã, da mesma pedra do farol. Ele lhe entregou um punhado de esferas que a cheia levou até a base de seu sítio de descanso dizendo-lhe para pensar na pedra, para entender seu engima.
Isaac deixou que seu mestre seguisse e perguntou sobre o porquê da alegria, logo em cima de uma pedra tão instável e áspera, que ainda iria se dissolver no ar ainda mais rápido que as Esferas. O senhor lhe respondeu de pronto, sem muito ruminar a idéia, que haviam de ser mil pedras em um caminho longo e eterno, e que, até para os astros, o ciclo deve ser continuado. Se por um homem sempre à esquerda, pela mão de anjos, na tenebrosa luz ou para dizer aos bois que a hora de acordar chegou. Eram apenas retinas vendo e corações se perguntando, sempre no presente, sempre em um momento tão profano quanto o próprio presente. Se era assim tão passageiro, a queda das estrelas ou o dissolver de uma pedra, seu brinquedo de incomodar como a chamou, o importante mesmo era observar tudo para não esquecer. Se importar com o que vê.
Esse pensamento me levou a pensar nesses anos todos. Elas todas vão para os necessitados, se for permitido, criar outras estrelas, mesmo que imaginárias, dentro ou fora do universo, assim como criávamos todos os dias alí nas fogueiras de minha infância. Nesses anos todos vi mulheres de joelhos, pedindo conselhos e proteção aos outros, vi famintos agonizando em preces, vi reis caídos e plebeus gloriosos, dividindo vinho e lições. Era seu presente um ponto brilhante, ali seu conforto, ali o nascimento de um novo universo próprio e tão grande quanto aquele em que o céu da praia de Santo Apollo apontava.
Todos os meus dias, descalço e cercado de tantos mundos despertou em mim essa bravura no presente e, quando assim apareceu um menino que dizia ser todos os mundos daquela Esfera que tinha na mão, o treinei bem à beira da fogueira, para que ouvisse, logo em tempo e tanto quanto eu, todas as histórias de uma praia imensa e que absorvesse dali dos olhos, gestos e palavras de todos, a si mesmo diluído.
Para ele confidenciei que foi deste modo que despertou em mim a moça da pedra dos olhos brilhantes. Assim lhes conto meu destino, pois assim viu a pessoa de meu pupilo Caeiro, quando percebi o momento, logo antes, de terminarem as nebulosas por consumirem minhas vistas, peguei na mão de uma já senhora moça sentada na pedra e, nos mediando uma estrela em seu colo, nos dissolvemos no ar, levados pelo vento. Nós nos tornamos aquele presente que vimos desde o primeiro dia de minha vida coletando a história do universo.
quinta-feira, 2 de setembro de 2010
Ali, Thália

Thália Bela
Thália Boa
Thália toda engraçadinha
Thália talha corações alheios
Thália entalha ladrilhos
nos desavizados
Thália é alarde e alaúde, Thália é da nossa laia
Thália é só afago
Thália, labareda e lago, Thália, lado e oposto
Thália nunca chega amiúde
[e se
Thália de saia de roda, Thália roda com gosto de roda
Thália pintura, Thália ali,
Thália seu retrato no louvre
Thália alicia, Thália alia
Thália, entoo teu ato, dou ao teu retrato
[todo inexato
O tato do grato poeta
quarta-feira, 25 de agosto de 2010
Canto da beleza real de Janaína

em teu manto claro de mar
deixando o vento soprar
nas águas de cá e de lá
tecendo as rendas
um engenho de rendas
que vejo engendrar
E se não posso lhe chamar
te nomeio Janaina
da beleza real de menina
desde já
Antes que espante
[e vá se deitar
lhe digo com toda pressa e sem pensar
que os mesmos pés que pisam o chão devagar
sentindo o mover que a lua branca lhe dá
hão de pisar no fundo deste verde mar
E sou eu que vou te chamar
Janaína, quando eu iya deitar
Inaê que me traz acaçá
Janaína, quando eu iya deitar
Inaê que me faz descançar
E sou eu que vou te chamar
Janaína, quando eu iya deitar
Inaê que me traz acaçá
Janaína, quando eu iya deitar
Inaê que me faz descançar
Para acompanhar a leitura
quinta-feira, 19 de agosto de 2010
Uma ode, uma Dríade

Algo como o vento
traz na graça das árvores
Uma infante beleza que agrada
a beijar-me o rosto em sua briza
seja em dias de sóis inexpugnáveis
e luas cheias de todos os versos possíveis
todas as rimas dizíveis e inventáveis
nessa boa razão de parar-me aqui
a observar os bons lampejos livres
de uma só rainha das árvores
movendo-se
a dançar
a sorrir
me entreter
pois sem vê-la
não há aqui poesia
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
Algo do Mestre Oneiro
Sua face vil lhe mostra em um sonho
Que a derradeira chama que arde em ventre de mulher
lhe pode ser mais sagrada que lágrimas de pobres demônios em terra
Não, não falo de maldade absoluta, o ardil, o sonho vão
Falo da natureza humana num vai e vem infinito
Entre sombras e grandeza
Entre sonhos e tristeza
Entre três mulheres que vigiam da lua
Entre meus olhos, que repouza um mar de razão e sentimento
Tão vil quanto a face mostrada naquele sonho
A pobreza, a putridão, a marca da besta
Que somos todos aqueles que se fazem
Num mundo morphéico nossa morada
E morremos por lá, esquecendo que a carne aquece a carne
E o sol levanta sem precisar
Pra olharmos num espelho
Que aquilo que produzimos ao dormir
Pode ser mais belo ou mais feio
Mas ainda é o real, que não é real
porém forte e novo
A cada segundo
Que morremos
e supitamos
um pouco
de nós
terça-feira, 6 de julho de 2010
Ditado de aogosto
A colher se envolve de sopa e
[seu gosto já sobe pela minha mão
É o mesmo que sorver água do mar empoçada num dia de calor
[como engolir a consciência que arrebata para se sentir melhor
Algo que lembre a ressaca de um fim de carnaval
[subindo pela ponta dos tarsos e metatarsos
Que pune, alimenta e lava com o mesmo sal
sexta-feira, 18 de junho de 2010
À graça de Tália

Era uma moradora dos sonhos
Agora se confunde na teia deles
Vinda do fundo das marés
[Numa oitava mais alta
na graça, na dor, na falta de espanto
Em que encara a arte de um mundo tão concreto que a cerca
É ela o sabor dos ventos que a levam
Nesses ares, uma mistura de musas e Calipso
Confundem-se e desentendem-se homens
Pois nela não há oceano a ser navegado
Já é as correntes que guiam, a comandar naus sem escolhas
E eu. caminhante do Oneiros
[Errante observador fiel
Me satisfarei eternamente em vê-la do porto
Ou me soltar em botes por poucos instantes
Cantar-lhe uns versos e lhe dedicar meus brindes
quarta-feira, 16 de junho de 2010
Ofício
Levantei no domingo como quem levita da cama. A janela mostrava uma profusão de cores num pantone que não conseguia descrever. Saí sem me lavar, seguindo até a padaria numa das quatro esquinas que me rodeavam, comprei-me um maço de vinte literatos para explicar-me o dia melhor. Ao acender o primeiro percebi que o dourado matinal, se tranformando num anis calmo e eterno, rodeado por nuvens algodoadas já havia sido escrito algumas centenas de milhares de vezes. Meia-volta, café, pães, lotações apinhadas, frio matinal entrando pelo casaco, mais um passo e o sedã vermelho quase me tira o suspiro. Acendi o segundo e formulei uma boa narrativa sobre a morte eminente e os seundos que se tornam décadas antes do golpe, de um homem jovem e que poderia melhorar sua existência, eliminar qualquer procrastinação, alguém já escreveu e o senso comum se apoderou por clichê, cabeceei o poste, esqueci do nome da personagem e da bela senhorita que ele se declararia depois do devaneio em que conversava com Hades. Pena não poder amassar o papel ou deletar o arquivo, um dos maiores prazeres de um escritor ruim, como uma explicação para a falta de técnica, o papel em branco diz que o mundo pode ser novo.
Falando em pena, compro-me uma após o almoço, piedade com cerdas e ponta fina número seis. A tinha perdido depois de matar meu serralheiro poeta em um de meus contos, a golpes de formão e furos de furadeira. Agora poderia vender alguns finais felizes, ao modo das boas novelas. O problema é segurar os heróis separados até o fim do texto. Acendo o sexto literato e resolvo amassar o papel, ou talvez a escrivaninha. Resolvo voltar a meus dois litros de café e ao fantasioso nonsense, a cama me chama e sonho amassando alguns quadros de Dali e desenhando obsenidades em outros, pra tirar o surreal dali. Ao me levantar novamente escuto alguns violões dos vizinhos abaixo, alguns gritos e o barulho de copos a bater, penso estar sozinho. A escrivaninha me chama pra falar da solidão, sentimento necessário pra qualquer escritor que queira ser legal, imagino-me sozinho andando pelas ruas, narrando as coisas que só quem anda por si só pensa, abri uma garrafa de estilística para me aprofundar e quando dei por mim, já estava no apartamento de baixo cantando alguns clássicos da década passada e me embebedando com os vizinhos.
Ao retornar resolvi terminar o ofício, idealizei uma mulher na cama, porém não consegui me decidir por morena em curvas e pecados, alva como a musa de um cavaleiro medieval.Como estava sem fogo para um último literato, não dicerni bem cena alguma e quando percebi, havia dormido com uma vaca holandesa malhada.
terça-feira, 15 de junho de 2010
Á frô (numversomaió)

A Frô se abre num sorriso
Pétala por pétala , bêja meus óio, meu sór, meu dia
Nessa única manhã que o tempo me deu
Irradia um brio da frô e me pregunto,
Pra quê lua?
Dum sarto, que me veio nas vista
Da coroinha branquinha, do miolim marelo
Enchê meus óio, me esqueceno o aluá
E me lembrano das coisa boa da vida
E me pego apreguntano as veis
Se a mema frô que abraça o horizonte
E dá o chêro de novo no dia
Vai ficá lá em riba preu adimirá
Ou vai descê preu senti o prefume daqui
E si num descê, eu digo cá procê
Qui lua tomém num desce
Mais num chera qui nem frô de laranjeira
Mais num chera qui nem frô de laranjeira
terça-feira, 8 de junho de 2010
Onçaborboleta
Meu amigo Senhor Poste!
_ Boa noite meu jovem! _ me disse naquele sotaque português meio forçado. Sentei-me ao seu lado para descasar da longa caminhada de duas esquinas que me separavam do Amarelinho.
_ Noite sêu poste _ respondi sem lhe olhar ao rosto. Ficaria meio zonzo se me voltasse para cima.
_ Que estranho me pareces... Não lhe espantas que um poste fale contigo??? _ olhei-o no rosto enfim, rodando um pouco os córneos ao ritmo da imagem _ Não, de forma alguma. Semana passada me falou uma lixeira, num baianês rápido e ininteligível. Melhor o senhor que pelo menos entendo...
Por alguns segundo olhei para o chão e me senti sozinho. Havia brigado com um de meus melhores amigos por causa de um mísero ultimo amendoim da mesa! Era umcrápula... um crápula. O poste continuava lá, espantado ainda
Pus a mão no bolso da camisa, retirei minha carteira de cigarros e o isqueiro num movimento reflexo.
_ Dai me um que o dia foi longo. Quase que um azelha me bate com uma carocha e me parto aos retalhos _ Não entendi lhufas, mas ser um poste é algo que deve cansar. Dei-lhe um cowboy e o acendi. O poste então resolveu se sentar ao meu lado. Pude ouvir os fios sendo se esticando e me vali de certa preocupação, me contive um pouco, seus olhos estavam caidos como os de um operário. Puxei um papo para nos distrairmos.
Começamos a falar sobre futebol: A Portuguesa enquanto símbolo da cultura lusitana no Brasil e o fato de que nesta cidade poucos torcem para times deste estado. A cerveja encarecendo gradativamente ao longo do tempo e como as mulheres têm comprado bolsas maiores e cachorros menores, como se fossem fazer uma criação de poodles dentro daquelas monstras de pano/couro, frivolidades e coisas sérias. Contei-lhe de minhas mesquinhices e dificuldades e ele das dele. Não tem como descrever o quanto é profunda a alma de um poste, suas preocupações e anseios!
Quando o sol começou a incomodar meu olho avermelhado, me dei conta do passar das horas e tive de me levantar e me despedir. Foi um dos melhores papos da minha vida.
Quem sabe semana que vem eu não encontro alguma torre telefonica gente fina?
Publicado em http://www.fotolog.com.br/redlobster01/38464251 , em 18/08/09